quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Diário de viagem - Haiti (parte 3)

"Sofremos demasiado pelo pouco que nos falta e alegramo-nos pouco pelo muito que temos" 
Willian Shakespeare

     
    Existe um antes e um depois do Haiti. Existe uma saudade daquele chão.
    Existe uma realidade naquele lugar que impactou a minha confortável realidade. A minha realidade tão mimada e cheia de coisas, e cheia de reclamações erradas. Talvez antes do Haiti eu considerasse ridículo dar importância a uma descarga de banheiro, a não engolir a água que usava para escovar os dentes, a um banho quente, apesar que banho quente eu sempre dei valor, só supervalorizei esse mimo. Hoje, as coisas mais pequenas não são ridículas e os banhos quentes uma das melhores partes do dia.
     Lembro-me do dia que eu estava escovando meus dentes e prestando atenção ao fato que aquela realidade a qual eu estava vivendo, ainda era luxuosa naquele país. Eu ainda podia escovar meus dentes, tomar um banho, se eu ficasse doente teria como comprar um remédio, mas quantos haitianos não tinham esse direito, quantos nem sequer tinham um prato de comida sobre suas mesas? Ah, isso entrou como uma faca afiada no coração.
   E você? Quais foram as reclamações do seu dia? Paro para analisar as minhas. A maioria, desprezíveis. O quanto você agradeceu a torneira, que mesmo pingando, nunca fica sem água? Ou a comida com muito sal que a tua mãe fez hoje? Ou o simples fato que você pode todos os dias puxar a descarga do vaso sanitário? Você tem um vaso sanitário! Pode até soar muito inútil ter isso a agradecer, mas coloque-se no lugar daqueles que nem isso tem a agradecer, sem aquela piedade fingida que dura 30 minutos e 15 segundos.
    Façamos o em tudo dai graças ser algo real e verdadeiro em nós. Aprendamos com as necessidades do próximo. Vamos começar a valorizar o que temos para que assim possamos não admitir facilmente realidades que não possuem um mínimo de dignidade, realidades que machucam e fazem adoecer. Temos perdido facilmente a gratidão genuína no peito e dessa forma nunca vamos ter a capacidade de nos colocar no lugar dos necessitados , nem tampouco, de chorar com os que choram. Se não valorizamos o nosso muito, como vamos dizer isso a quem nada tem?
    Peço que ore pelo orfanato Lilla Vois (foto), no qual as crianças não possuem acesso a água tratada. Algumas crianças não possuem nem roupa que seja adequada ao tamanho de seus frágeis corpos. A maioria não possui nem roupa íntima. Vamos pedir que Deus dê recursos para essa realidade mudar. O orfanato Lilla Vois precisa de suas orações e o Haiti também.


"Rogo vos, também, irmãos, que admoesteis os desordeiros, consoleis os de pouco ânimo, sustenteis os fracos, e sejais pacientes para com todos. Vede que ninguém dê a outrem mal por mal, mas segui sempre o bem, tanto uns para com os outros, como para com todos. Regozijai-vos sempre. Orai sem cessar. Em tudo dai graças, porque esta é a vontade de Deus em Cristo Jesus para convosco" 
1 Tessalonicenses 5:14-18


terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Diário de viagem - Haiti (parte 2)


"Pregue o Evangelho em todo tempo. Se necessário, use palavras" 
São Francisco de Assis

    É interessante o sentimento de "eu preciso falar de Jesus", ainda mais durante uma viagem missionária, ainda mais na primeira viagem missionária internacional da sua vida. Bem, eu estava posicionada nesse dilema. Eu estava no Haiti, precisava falar de Jesus para as pessoas, elas precisavam conhecer o Cristo que me salvou e me libertou. Porém, ao me perguntarem para quantas pessoas eu falei de Jesus, serei muito sincera na resposta, dizendo que para nenhuma.
    A princípio isso pode soar como totalmente fora do foco missionário.Não falei dele, mas deixei claro o que ele me ensinou em minhas ações. Eu falei dele sem a necessidade das palavras. Eu o ouvi falar nos olhos agradecidos, nas mãos que acariciavam, nos sorrisos doados. E ao falar de sorriso, nunca vou esquecer o sorriso dessa senhora ( foto abaixo).
    Não sei o nome dela, não sei seu endereço, nem tampouco a história que essas mãos calejadas possuem. Não sei como ela sobreviveu ao terremoto de 2010, não sei quantos anos ela tinha. Lembro vagamente da sua chegada, pressão arterial nas alturas, no rosto uma expressão inexata de dor e sofrimento. Encaminhada com urgência ao atendimento médico.
    Algum tempo depois, reencontro essa senhora e o seu sorriso de alegria estampado. Palavras, pra quê? Aquele lindo sorrir de gratidão encheu meu coração de gratidão a Deus. Nós havíamos falado a ela que Cristo é a verdadeira alegria, o que torna o fardo leve e tira as nossas momentâneas dores para mostrar que na eternidade não haverá mais choro nem sofrimento, sem necessariamente usar palavras e um mesmo idioma para demonstrar tudo isso. Uma certeza eu tenho, nós marcamos a vida dela porque nos dispusemos a cumprir o levar do amor de Jesus, nós agimos em disposição de revelar esse amor para aquela vida.
    Quando a gente chega a essa compreensão, a graça torna-se mais compreensível, essa ânsia do eu preciso falar de Cristo se transforma em eu preciso agir como Cristo, sendo seguidor por ação e não puramente por discursos e pregações vazias de reações de implantação do reino. E é real o que a música diz: "Fale de amor trocando os sons pelo silêncio. Tornando voz em gesto e atos. Se for preciso (só se for preciso!) , use palavras". 



"Senhor, quando te vimos com fome e te demos de comer, ou com sede e te demos de beber? Quando te vimos como estrangeiro e te acolhemos, ou necessitado de roupas e te vestimos? Quando te vimos enfermo ou preso e fomos te visitar?". O Rei responderá: "Digo a verdade: O que vocês fizeram a algum dos meus menores irmãos, a mim o fizeram".
Mateus 25:37-40


segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Diário de viagem - Haiti (parte 1)


Temor e laço vieram sobre nós, assolação e destruição. Torrentes de água derramaram os meus olhos, por causa da destruição da filha do meu povo. Os meus olhos choram, e não cessam, porque não há descanso, até que o SENHOR atente e veja desde os céus. Os meus olhos entristecem a minha alma, por causa de todas as filhas da minha cidade. Como ave me caçam os que, sem causa, são meus inimigos. Cortaram-me a, vida na masmorra, e lançaram pedras sobre mim. Águas correram sobre a minha cabeça; eu disse: Estou cortado. Invoquei o teu nome, SENHOR, desde a mais profunda masmorra. Ouviste a minha voz; não escondas o teu ouvido ao meu suspiro, ao meu clamor. Tu te aproximaste no dia em que te invoquei; disseste: Não temas. Pleiteaste, Senhor, as causas da minha alma, remiste a minha vida. 
Lamentações 3:47-58


    Confesso que ainda não organizei ao certo todos os pensamentos, os aprendizados e lições adquiridas nos 12 dias que estive no Haiti. Como todo mundo diz pra mim, foi sim uma experiência marcante em todos os seus aspectos e arestas. Considero que nas conclusões finais haverá um melhor entender da humanidade, de mim mesma, de tudo que acredito e professo. Foi uma imersão profunda em tantas coisas, das quais eu ainda não voltei.
   Bem, o que falar sobre o Haiti? Um país submerso em crises de todas as magnitudes, com constantes fenômenos naturais abalando suas fracas estruturas sociais. Isso é fato. Um país destruído pela miséria, engolido por suas mazelas sociais. Rico em receber ajuda de todos os cantos do mundo, porém, pobre em investimentos reais e efetivos. Um lugar que tem recebido mãos que acariciam por 1 minuto, mas com falta de mãos que ensinem outras mãos e que digam que as mãos hatianas possuem sim o poder de reconstruírem um novo Haiti.
    Obviamente que você deve estar perguntando quantas vezes eu me perguntei sobre Deus e onde ele estava naquele lugar. Perguntei incansáveis vezes, orava em pensamento e pedia que ele se revelasse a mim. Porque é complicado aceitar um Deus de amor e misericórdia em meio a ruas nas quais o esgoto a céu aberto se confundia com porcos e cabras e crianças dividindo um mesmo espaço. É complicado acreditar em um pai de amor vendo crianças desnutridas, pais de família que fazem uma refeição por dia, pessoas que comem quando encontram algum resto de comida que os alimentem. Isso mexeu nas entranhas da minha fé, nas entranhas do meu conformismo e comodismo. E no fim eu ainda não obtive uma resposta exata. Mas entendi que isso é reflexo de homens que se assentam no poder e não buscam o bem coletivo da nação, que não mudam realidade nenhuma e que perpetuam caminhos viciosos de desvalorização do seu próprio povo. Frutos de uma escolha que destrói vidas, massacra histórias e mata a esperança,que no fim é a primeira que morre.
    Agora uma das coisas mais dolorosas é ver a quantidade de igrejas,  lojas e lugares possuem o nome de Jesus, no entanto, eu não consegui ver o Jesus que eu conheço em muitos daqueles lugares. Onde está o cristianismo implantado? Onde está a transformação de Cristo em cada vida? As desconheci em muitos dos lugares que estive. No entanto, conheci muita gente disposta a mudar o Haiti, descobri o misto de esperança e dor dos olhos dos pequenos hatianos. E quando me perguntam sobre o que mais me fascinou, com toda certeza, foi o olhar dos pequenos hatianos que já viram muito mais do uma infância merece ver.
    Tive a oportunidade de trabalhar em três comunidades, com a chance de conhecer hatianos não conformados com a realidade de seu país. Fossem eles interpretes, pastores, membros das igrejas, enfermeiras, técnicas em enfermagem, moradores daquela comunidade. Pessoas que sabiam que estávamos ali para simplesmente mostrar que acreditamos no potencial que eles possuem, naquela máxima de ensinar a pescar e não dar o peixe. Pessoas que sabem que ainda há muito a ser feito e compreendiam que havia sido lançada uma gota diante de um oceano de mudanças que o Haiti precisa passar.
    Muitas outras coisas a acrescentar e relatar. Esse foi um panorama geral das sensações e emoções. Amanhã continuo essa série de posts que será sobre o Haiti. Peço que agora, separe um momento e ore por um novo Haiti. O Haiti precisa de suas orações, e se possível, de suas ações.